segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Javali


É um suíno, do grupo dos porcinus e da ordem dos artiodáctilos.
É um dos bichos mais feios da criação.Dir-se-ia que é um animal aleijado, disforme, a quem uma doença ou um desastre maltrataram.
Embora possante de corpo, parece que só tem cabeça - uma grande máquina de guerra, horrenda, que parece ter sido esculpida por um doido: grossa, grossíssima, pesada, exótica. Suponha-se uma cabeça de porco, alongada e encardida, onde tivessem nascido, em cada maxilar, grandes verrugas tufadas de pêlos brancos e, por baixo dos olhos, várias protuberâncias papilares. Sob esta caraça monstruosa, grandes colmilhos recurvados, que chegam a sobrepor-se ao focinho, e cujo comprimento atinge, normalmente, cerca de 25 centímetros. Uma fortaleza temível, uma fealdade inconcebível.
A cor é variável: ruço, quase negro ou vermelho terroso. A pele, revestida de cerdas raras e muito ásperas, que partem de entre as orelhas e se estendem ao longo do dorso. A cauda, relativamente longa, termina num pincel de cerdas semelhantes às do dorso.
Feio bicho!
O macho adulto, com oito anos, vai a um metro e trinta de comprimento, por sessenta e oito centímetros de altura - isto é, pouco menos encorpado que o porco do mato, embora de aspecto muito mais possante. Dá uma grande impressão de ferocidade - mas é, na verdade, menos feroz, mais tímido e mais medroso que o porco do mato.
Vive em regiões ermas, em pequenas famílias, na proximidade de águas permanentes. Ao contrário do porco do mato faz vida diurna. À tarde, e durante as primeiras horas da manhã, pasta nas mulolas e descampados, indo aos bebedouros durante as horas de maior calor. É durante este período também que dorme a sesta. Procura para dormir, de dia e de noite, matas espessas e solitárias, ou um desses inúmeros buracos de porco formigueiro, onde se instala, como bom camarada, até à hora de despertar.
Este animal é cheio de contradições: tímido, apesar do seu ar feroz - embora não seja o que se chama um animal pacífico; sociável com outras espécies, apesar do seu ar de poucos amigos; saboroso, como animal de carne, apesar do seu aspecto quase repelente.
Vê pouco, ouve regularmente e tem olfacto apuradíssimo. O olfacto é a sua sentinela, o seu avisador. Constituem a base da sua alimentação as gramíneas, tubérculos e certas raízes, que alcança escavando no solo com auxílio das presas, que trabalham como enxada, foice e navalha. Come com sofreguidão, mas sempre atento ao menor ruído. Ao mais ligeiro rumor, espevita-se imediatamente, dá descanso às mandíbulas. e não continua sem saber do que se trata. Também não foge sem primeiro se certificar do que se passa. A sua experiência diz-lhe que nem todos os ruídos significam ameaça ou perigo eminente. A sua prudência instintiva ensinou-o que, em todo o caso, é sempre bom ver o que se passa. Como não confia na vista - se o ruído vem contra o vento, de forma que o olfacto o não possa informar - vai por lanços de trote, ora correndo, ora parando, de orelhas em riste, narinas em acção, fazendo um trajecto circular em volta do ponto suspeito, até apanhar vento favorável que o elucide. Se topa cheiro de homem ou carnívoro, solta um grunhido assustado e foge desordenadamente, de cauda alçada, não sendo fácil alcançá-lo. Parará bastante longe, ainda desconfiado, para fazer nova corrida. Só muito longe, e depois de aturadas investigações, volta a sentir-se em segurança. Se o ruído foi provocado por animal pacífico - antílope ou herbívoro inofensivo - baixa a cauda, sacode-a em sinal de regozijo e volta, tranquilamente, ao ponto de partida ou segue o rumo que mais lhe apeteça. Outras vezes, e isso é frequente, entra em relações com o bicho inofensivo, de quem, inclusivamente, se faz companheiro durante horas ou até dias consecutivos.
A fêmea, após sete meses de gestação, dá à luz de três a oito leitões, grazinentos e nervosos, que pouco diferem do leitão doméstico. Nesta primeira infância nem os dentes, nem as cerdas, nem os enormes aleijões que são as verrugas felpudas do focinho, os diferenciam de outros porcos. A mãe cria-os com o mais devotado carinho. Como a ninhada é numerosa e irrequieta, os trabalhos por que passa são árduos e absorventes. A inquietação da mãe é incessante e os seus cuidados maternais prolongam-se durante mais tempo (relativamente ao tempo de vida do animal) do que entre os outros bichos. Este prolongamento de carinho explica-se: apesar de todos os cuidados da mãe, os leitões são impiedosamente dizimados pelos carnívoros, pelos cães de matilha e pelos caçadores. Embora ponha toda a sua ferocidade e energia na defesa dos pequenos, não lhe é possível fazer escapar todos da investida dos inimigos. Os leitões tresmalham-se, ela ataranta-se - e, na confusão, o caçador ou o carnívoro apanham mais facilmente os que mais desviados se encontram da mãe. Outras vezes é a própria mãe que é abatida. E então os pequenos não têm salvação possível!
Os facocheros vivem em pequenas famílias. São, por consequência, pouco sociáveis. Não admira, pois, que venham a lutar uns com os outros, por via de interesses ou de amores - especialmente os machos. Nestas lutas mostram-se de uma ferocidade cruel e irreprimível. A sua resistência e energia são extraordinárias.

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